01/04/2024

Justiça nega pedidos de contribuintes para inclusão de valores maiores de dívidas em parcelamento

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Pelo menos 388 contribuintes recorreram à Justiça para ampliar o alcance
do programa de autorregularização da Receita Federal (Lei nº 14.740, de
2023), espécie de “Refis” lançado por meio da Lei nº 14.740/23. Porém, sem
sucesso na maioria dos casos. Apesar de terem sido concedidas algumas
liminares, os pedidos vêm sendo negados na segunda instância, de acordo
balanço da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Os contribuintes pedem a inclusão de dívidas com a Receita Federal
constituídas até abril deste ano, e não somente até 30 de novembro de 2023,
como defende o órgão. As empresas alegam nos processos que esse seria o
limite estabelecido pela lei e a Instrução Normativa (IN) nº 2168, de 2023, que
a regulamenta. Porém, a Receita Federal, na seção “Perguntas e Respostas” do
site do órgão, afirma que podem ser incluídos no parcelamento “tributos que
ainda não tenham sido declarados cujo vencimento original seja até 30 de
novembro de 2023”.
Do total de pedidos, 262 já chegaram à segunda instância. A maior parte deles
tramita no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e no TRF-6, com
94 e 65 processos, respectivamente. A PGFN diz que a maioria das
manifestações na segunda instância têm sido contrárias aos pedidos dos
contribuintes.
Na 3ª Região, em primeira instância, existem 27 liminares a favor do
contribuinte e 58 a favor da União. Na segunda instância, são 6 decisões a favor
do contribuinte (de quatro desembargadores) e 23 a favor da União (de dez
desembargadores). Na 6ª Região, não há um balanço do número de decisões,
mas de quatro desembargadores que julgaram o tema, dois foram favoráveis e
dois contrários à União.
Pelo programa, os contribuintes, após confissão da dívida, podem pagar o valor
principal e, em troca, ganham perdão das multas de mora e de ofício. Os juros
incidirão normalmente.
Metade do valor deve ser paga à vista. A outra em até 48 vezes, em parcelas
mínimas de R$ 200 e R$ 500, corrigidas pela Selic. É possível ainda quitar
impostos com prejuízo fiscal e precatórios — inclusive de terceiros. Podem
aderir ao programa pessoas físicas e jurídicas, exceto as do Simples Nacional.
Nos processos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional alega que o pedido
dos contribuintes é incompatível com o regramento da anistia fiscal previsto
Código Tributário Nacional (CTN), já que abrange exclusivamente as infrações
cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede. E, portanto, não seria
possível estender para débitos vencidos posteriormente.
Os tribunais que rejeitaram a tese do contribuinte também ressaltam que não
cabe a um programa de regularização tributária permitir o pagamento de
tributos futuros, sob pena de comprometer a arrecadação dos tributos
correntes. Em uma das decisões, o desembargador federal Rômulo Pizzolatti,
do TRF-4, destaca que não se tem notícia de um programa que tenha
estabelecido parcelamento para o futuro, das obrigações vindouras dos
contribuintes, e nem de programa que tenha instituído licença para que os
contribuintes atrasem o pagamento de seus tributos correntes, que seria o efeito
prático de uma lei assegurar a anistia na multa de mora sobre as obrigações
correntes (processo nº 5006589-31.2024.4.04.0000).
No caso, a PGFN conseguiu suspender o mandado de segurança que havia sido
obtido pelo contribuinte. O mesmo argumento foi citado em decisão da
desembargadora federal Claudia Neiva, do TRF-2 (processo nº 5002761-
81.2024.4.02.0000).
“Se as liminares continuassem sendo dadas teriam impacto na arrecadação do
primeiro trimestre porque o contribuinte poderia usar parcelamento, prejuízos
fiscais e ter desconto em multa para tributo corrente”, afirma a procuradora
Juliana Furtado Costa Araujo, da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
da 3ª Região.
O objetivo do programa, acrescenta, era abarcar o contribuinte que estava
irregular. Entre quarta e quinta feira dessa semana, diz, ocorreu um aumento de
10% no número de ações propostas, por causa do prazo. “Foi um ajuizamento
em massa e com potencial lesivo à arrecadação do primeiro trimestre muito
grande”, afirma.
Depois de algumas liminares contrárias, o cenário começou a ser alterado,
segundo Camila Cabral, coordenadora de Estratégias judiciais da PGFN. A
procuradora diz que a primeira ideia do programa de autorregularização foi
possibilitar um diálogo entre Fisco e contribuintes, reduzindo a litigisiosidade,
mas a PGFN observou que os contribuintes começaram a questionar, em ações,
a inclusão de tributos fora do prazo.
As primeiras liminares foram concedidas sem a apresentação de defesa da
PGFN. De acordo com a procuradoria, apesar de decisões serem apreciação de
liminares, em muitos casos elas entraram no mérito dos pedidos.
Para o tributarista Leonardo Martins, do escritório Machado Meyer, o cenário
ainda está incerto. O advogado pondera que as decisões de segunda instância
foram dadas em recursos contra decisões precárias, em liminares e mandados
de segurança. “Pode ser que o entendimento mude na sentença com
informações mais completas”, diz.
Martins afirma que existem decisões favoráveis e não se pode considerar que o
contribuinte já perdeu. Ele lembra que algumas liminares nem analisam o
mérito. “O perguntas e respostas foi o gerador de toda a celeuma”, diz ele,
acrescentando que o texto vai no sentido contrário à pretensão da Fazenda de
reduzir o contencioso.